A lógica invertida do transporte na sociedade do individualismo motorizado

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

(tradução: acima - investimento público / abaixo: desperdício de subsídio)

Lógica Invertida

Ampliação de estradas, rodovias, construção de viadutos e estacionamentos, na sociedade do automóvel, isso é considerado "investimento público em transporte", porém, como pode ser um investimento "público" se beneficia prioritariamente os veículos 'privados'? Enquanto isso, vemos as cidades cada vez mais inchadas e congestionadas, com transportes coletivos sucateados, ineficientes e insuficientes, sem estrutura adequada de paradas de ônibus (com paradas super lotadas, muitas vezes sem bancos ou proteção contra sol e chuva), sem estrutura de ciclovias e bicicletários, sem alternativas de transporte sustentável e ecológicos.

No caso de Natal, o único sistema de transporte urbano coletivo é o ônibus, mas que, além da má qualidade por si só, devido aos baixos ou inexistentes investimentos, ainda precisa estar diariamente concorrendo com os carros por espaço e, se formos buscar os números da STTU e do Detran com o volume de tráfego de Natal, é uma competição absurdamente desproporcional de 270 mil carros contra menos de mil ônibus. Nós, usuários de ônibus, ficamos assim presos nos engarrafamentos causados pelo individualismo motorizado que entope as ruas com os dejetos putrefatos automotivos (carros), cuspindo seus gases venenosos em nossos pulmões violentamente e sem piedade.

Prova de que a sociedade e o governo estão interessados apenas nos veículos privados é o grande incentivo dado todos os anos pelo Governo Federal com redução de impostos para a compra de carros e as insenções fiscais dados pelos estados para a instalação de montadoras automotivas, fazendo com que milhões de reais deixem de ser recolhidos - mas a preocupação não é com impostos, o mal está na cultura do automóvel em si mesma! Natal viu sua frota de carros crescer 66,37% em nove anos (2000-2009), segundo o Detran, o que representou 108 mil novos carros nas ruas! Quantos ônibus novos vimos entrar em circulação nesse período? 10% disso? 1% disso? Acho que muito menos.

Mesmo que o carro não poluísse uma grama/centímetro/metro cúbico de atmosfera, ainda assim é extremamente nocivo à sociedade, pois que adianta construir mais estradas, viadutos, rodovias, túneis de um lado e impulsionar a venda de carros do outro? Quantos quarteirões serão precisos de estacionamentos? Quantas casas, parques, espaços públicos serão perdidos para dar lugar à infraestrutura para carros? E assim as cidades vão se transformando em lugares insalubres e inabitáveis, com imensas estradas rasgando os centros urbanos, impendindo a livre locomoção das pessoas pelas calçadas (desaparecerão as calçadas?), pois, a exemplo de Brasília, as ruas serão tão largas que será impossível atravessá-las ou será muito desgastante percorrer quilômetros de asfalto para chegar à qualquer lugar.

Dizem que o carro encurta as distâncias. Mas o que ninguém diz é que ele as aumenta também, porque a medida que acreditamos que podemos chegar 'mais rápido aos lugares', nos sujeitamos a ir à lugares mais distantes também. Então se há algumas décadas ou há um século, as pessoas costumavam resolver a maior parte de suas necessidades no bairro ou nas imediações, a escola, a padaria, a cultura, o lazer, o trabalho, hoje se atravessa a cidade para ir ao cinema, depois cruza-se outros 15 quilômetros para comprar um presente, dá-se outra viagem para chegar à praia ou ao escritório ou fábrica.

Consequentemente, hoje as pessoas passam uma média muito maior dentro dos veículos do que antigamente, podendo chegar à 4h diárias dentro do carro nas grandes cidades. É 15% de nossas vidas dentro de uma lata de alumínio e aço. E se considerarmos que um terço do tempo que tempos passamos dormindo (média de 8h diárias - uma pessoa saudável), restam-nos 16h para viver e 4h é nada menos que 1/4 disso (25%). Tempo desperdiçado que poderia ser empregado no convívio familiar, amigos, estudo, lazer, leitura, cultura, enfim, vida.

Eu nem chego a morar longe do meu trabalho, porém, devido ao tráfego intenso dos horários de pico (manhã cedo, hora de ir trabalhar, almoço, e hora do rush, às 18h, volta do trabalho), perco em média 2 horas e meia dentro do ônibus ou esperando por ele. Porém, ao invés de passar esse tempo estressado com o trânsito, com motoristas irresponsáveis, mau-educados, a demora, o engarrafamento, posso passá-lo ouvindo calmamente uma música, lendo um livro agradável, conversando com algum conhecido que encontrei no ônibus ou até mesmo fazendo uma nova amizade. É um espaço coletivo de convívio e, se não fossem os milhares de carros e os engarrafamentos que causam, eu chegaria rapidamente ao trabalho.

(tradução: se esses idiotas simplesmente pegassem um ônibus, eu já estaria em casa!)


Como se não fosse revoltante o suficiente andar pelas ruas sendo forçado a respirar incontáveis gases tóxicos, poeira e fuligem de motor em suspensão no ar, expostos também à poluição sonora dos milhares de motores desregulados e daqueles superpossantes (dos machões que precisam de máquinas para poderem se autoafirmar), o cidadão natalense ainda é forçado a ouvir a notícia que para a Copa de 2014 o governo irá gastar R$400 milhões em viadutos, túneis e pontilhões, infraestrutura que beneficia prioritariamente os carros, um imenso desperdício de recursos públicos! Uma fração disso poderia garantir à Natal um transporte coletivo a la Europa, a la países nórdicos, com trens de superfície (porque segundo dizem, o solo de Natal é muito instável para ter metrô) e ônibus eficientes, ecológicos, sustentáveis.

Alê

Fontes:
LUDD, Ned. Apocalipse Motorizado. Conrad Editora.
http://www.dnonline.com.br/ver_noticia/12557/
http://www.copa2014.org.br/noticias/1463/NATAL+PODE+RECEBER+17+INTERVENCOES+VIARIAS+ATE+2014.html

5 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo artigo nobre colega!!!!

Destaco os parágrafos 6º e 7º, para lamentar que os motoristas percam suas míseras 4h diária e você por perder sua 2,5h diária. Não sei de onde vc desloca-se diariamente para perder esse tempo todo por dia!!!rsrs sugiro que use a bicicleta como meio de locomoção ao trabalho, fale com a empresa(como eu) e eles te conseguirão um local para banho e troca de roupa diariamente.

O transporte coletivo de nossa capital é algo que me deixa profundamente indignado...carros velhos, sujos, com baratas, motoristas mal educados, mal preparados, falta de logística, falta tudo...............

FaBiAnO
Háááársrs 2,5hs dá pra ir de Natal a Macaiba e voltar bem light!!!!heheh

Alê disse...

Camarada Fabiano, agradeço a consideção em ler meu texto... ;D

Pois é, é como eu disse, são 2h30 sim de ônibus, mas eu aproveito esse momento para relaxar, pensar na vida, ouvir música, além de ser meu principal momento de leitura. Já li muitos livros inteiros só nesse percurso casa-trabalho. A questão é lutarmos para que o transporte seja mais digno, sem as baratas que citastes, os motoristas enraivecidos e mau-educados, sem esses percalços... mas andar de ônibus é a grande alternativa (de trem, bonde, metrô, o que seja) ao meu ver...

Viva o ônibus, a bicicleta ou qualquer veículo humanizado e sustentável!

Abraço!

Bráulio Bezerra disse...

Natal está ficando uma droga de cidade. Apesar de todos os maus exemplos no mundo (São Paulo, Rio, etc), estamos fazendo exatamente o que não deveríamos.

A política de crescimento centralizado que ocorre no Brasil leva a cidades imensas e inabitáveis enquanto outras são esquecidas. Nos grandes centros, com todos esses prédios no lugar de casas, temos 50 carros numa garagem em vez de 1 ou 2.
Além disso, em vez de Macaíba, Parnamirim, etc serem mais ou menos independentes, muita gente trabalha em Natal, muita coisa só se acha em Natal, etc. Fora o mercado imobiliário que é uma palhaçada e não deixa uma pessoa morar perto da sua família e trabalho.

No fim das contas a solução óbvia é essa: diminuir o número de carros. Seja por ter menos gente, por ter formas mais compactas de locomoção ou ter distâncias menores. Ou os três.

Samira disse...

Engraçado é Natal ter um solo inviável a utilização de metrô mas nada inviável quando se trata das novas construções imobiliárias...

tsc tsc tsc

Anônimo disse...

A falta de compromisso e prioridade no investimento de transporte de massa com qualidade e eficácia. Espero que com o evento de copa do mundo isso mude um pouco!!!

Eduardo

 

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