Especialistas atestam que, sem investir em projetos que priorizem o transporte coletivo, as obras de mobilidade vão resolver apenas por um tempo os problemas do trânsito da capital potiguar.
DO
NOVO JORNAL
O NOVO JORNAL fez um Raio-X das principais obras de mobilidade previstas para
transformar Natal num imenso canteiro de obras antes e mesmo durante a Copa do
Mundo de 2014. Que elas vão melhorar o trânsito da capital potiguar, não há
dúvidas. A questão é: por quanto tempo? Especialistas apontam que enquanto não
houver uma política de investimentos em transportes públicos, as ações acabam
tendo um prazo de validade determinado pelo crescimento da frota de veículos.
Trocando em miúdos, o alívio no trânsito deve ser quase tão passageiro quanto os
jogos do Mundial na capital potiguar.
Foto: Eduardo Maia/NJ.
Motoristas presos em congestionamento: um por
carro
Apesar dos investimentos vultosos, especialistas
em transporte não acreditam que apenas ações de infraestrutura resolvam o
“gargalo” existente nas principais vias públicas de Natal. Para João Alencar,
atual gerente de projetos da Secretaria Nacional de Trânsito e Mobilidade Urbana
do Ministério das Cidades, que visita regularmente as capitais contempladas com
obras de mobilidade para o Mundial de 2014, quanto mais se estimular a criação
de estradas e de facilidades para o escoamento de carros particulares, mais
comprometido ficará o sistema viário.
“É uma conta que não fecha. Temos
de pensar nas pessoas e não nos carros. O que interessa é a mobilidade social e
não o conforto de quem tem um automóvel. Temos de ter instrumentos para
facilitar a circulação de pessoas e que interrompam o crescimento nocivo de
veículos”, diz.
De acordo com o especialista a reestruturação deve partir,
prioritariamente, do incentivo ao transporte público e das políticas de apoio
aos veículos não motorizados, como as ciclovias e o aumento da área circulação
de pedestres.
O problema da mobilidade não esbarra na falta de recursos,
na visão do gestor. “Não bastar ter dinheiro. As cidades devem ter projetos para
a mobilidade”, disse. Ele explicou que, desde 2003, o Governo Federal já
disponibilizou R$ 21,6 bilhões para infraestrutura de transporte urbano. Até
2020, o Ministério das Cidades pretende dispor mais R$ 60 bilhões. Projetos que
visam sistemas intermodais de transportes.
Além dos custos envolvidos na
ampliação do sistema viário, uma construção sempre implica em desapropriações
habitacionais, o que cria empecilhos, principalmente jurídicos, para a liberação
das áreas. Isto ocorreu, por exemplo, com as obras de mobilidade para a Copa. A
população ao longo das áreas atingidas se posicionou contrária à desapropriação,
levando ao atraso que perdura até hoje. “Construir uma nova via não reduz
engarrafamentos, pois facilita o acesso de mais carros e, em pouco tempo, a
região pode apresentar gargalos e sobrecarga de veículos”,
ressaltou.
Ainda de acordo Alencar, a reestruturação do transporte também
deve ser discutida a partir dos aspectos legais da lei 12.587, sancionada em 15
de abril de 2012, e que tem como objetivos melhorar a acessibilidade e a
mobilidade das pessoas, e integrar os diferentes modos de transporte.
Para José Alencar, engenheiro civil por formação, a legislação instituiu
novas diretrizes para a Política Nacional de Mobilidade Urbana. O Governo
Federal quer priorizar os meios de transporte não motorizados e serviço público
coletivo. A mobilidade deve gerar qualidade de vida. Ele explica que, enquanto
existir a degradação contínua do transporte coletivo, o que inclui questões
sobre o conforto e até a violência, as pessoas vão buscar o transporte
individual. “O indivíduo vai pensar numa forma de reduzir o tempo de viagem e o
desconforto de utilizar ônibus lotados, sujos e sem qualidade”, afirma.
José Alencar, aliás, um dos autores da nova lei, afirma ainda que a
ideia é restringir a circulação e controlar o acesso de veículos motorizados,
seja permanente ou temporário, em locais e horários predeterminados. “A lei
ainda facilita a criação de medidas para cobrar a circulação de veículos em
áreas urbanas”, conta. A restrição da circulação em horários predeterminados é
algo já regulamentado no país. O maior exemplo é o rodízio de carro da cidade de
São Paulo.
“USAR CARRO É UMA ATIVIDADE
INDIVIDUALISTA”
Para o ex-secretário nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana do
Ministério das Cidades, José Carlos Xavier, a “imobilidade” urbana é um problema
comum em todos os grandes centros brasileiros. “O caos no trânsito é uma
verdadeira epidemia. São mais de 75 milhões de veículos trafegando nas ruas de
todo o Brasil. Algo precisa ser feito urgentemente”, declara.
Ele diz que
todo o investimento na ampliação da malha viária está fadado ao insucesso. “É
simples. Em poucos anos, todas estas novas estradas estarão repletas de
automóveis, causando engarrafamentos e prejudicando a qualidade de
vida”.
Na opinião de Xavier, um dos maiores especialistas em trânsito do
país, que também atuou no reordenamento do tráfego em Goiânia (GO), a solução
para a mobilidade passa, de forma obrigatória, pela ampliação dos serviços de
transporte público. “É algo que todas as grandes metrópoles do mundo fazem.
Amsterdã (Holanda), por sinal, é o maior exemplo disso. Existe todo um sistema
que congrega ônibus, metrô, trem, transporte fluvial e até uma extensa linha de
ciclovias. Todo este processo foi iniciado há 50 anos”, detalha.
Vale
lembrar que a capital goiana passou por um intenso processo de mudança nos
últimos 10 anos. Hoje, o sistema de transporte público da cidade apresenta, ao
lado de Curitiba (PR), um dos exemplos de reordenamento do trânsito no Brasil.
As ações levaram a construção de 13 quilômetros de Veículo Leve Sobre Trilhos
(VLT), outros 22 km de sistema de ônibus de alta capacidade (BRT) e mais 122 km
de faixas exclusivas para ônibus coletivos. Isso tudo com uma tarifa integrada
para diversos municípios da região metropolitana de Goiânia.
Xavier
alerta ainda que as cidades devem trabalhar para oferecer espaços para o
deslocamento dos pedestres. “Se pensa apenas em carros, ruas, viadutos, mas
sempre se esquece do pedestre. Calçadas mais amplas, sinalizadas e acessíveis
também fazem parte das ações para a melhoria da mobilidade”, diz.
Para
ele, o brasileiro foi “doutrinado” ao automóvel. Mudar o paradigma do uso do
transporte público em detrimento do veículo particular deve demandar um bom
tempo. “Usar carro é uma atividade individualista. Mesmo que as estradas e o
transporte público estejam melhores, o motorista sempre vai pensar: ‘agora está
tudo bem. O trânsito está organizado. Não preciso deixar meu carro em casa’. O
poder público precisa, com isso, aprimorar as ações de educação do trânsito e
desestímulo à utilização de veículos”, avalia.
O especialista diz que os
gestores já dispõem de uma série de medidas para inibir a circulação de
automóveis. Ele cita o exemplo do que foi feito em Londres (Inglaterra). Em
certas áreas comerciais da capital britânica, carros particulares estão
proibidos de circular. É a chamada restrição geográfica. “Além disso, podem ser
criados pedágios, taxas para a circulação em determinados espaços e até o uso de
estacionamentos pagos. A intenção é fazer com que a pessoa deixe o carro em
casa”, aponta.
José Carlos Xavier também é contra os incentivos fiscais
ofertados à indústria automobilística. “Isso vai contra todo o processo de
mobilidade. Enquanto parte do poder público busca soluções para readequar o
tráfego, o Governo Federal cria medidas para facilitar a compra de veículos”,
reclama. Ele faz referência à isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) para a compra de veículos, o que ocorreu em maio do ano passado; e em
alguns estados, incluindo o Rio Grande do Norte, a redução do Imposto sobre a
Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Fonte: Novo Jornal
http://www.novojornal.jor.br/_conteudo/2013/04/cidades/9871-obras-de-mobilidade-para-copa-serao-solucao-perecivel-segundo-especialistas.php
Foto: Eduardo Maia/NJ.
Motoristas presos em congestionamento: um por
carro
“É uma conta que não fecha. Temos de pensar nas pessoas e não nos carros. O que interessa é a mobilidade social e não o conforto de quem tem um automóvel. Temos de ter instrumentos para facilitar a circulação de pessoas e que interrompam o crescimento nocivo de veículos”, diz.
De acordo com o especialista a reestruturação deve partir, prioritariamente, do incentivo ao transporte público e das políticas de apoio aos veículos não motorizados, como as ciclovias e o aumento da área circulação de pedestres.
O problema da mobilidade não esbarra na falta de recursos, na visão do gestor. “Não bastar ter dinheiro. As cidades devem ter projetos para a mobilidade”, disse. Ele explicou que, desde 2003, o Governo Federal já disponibilizou R$ 21,6 bilhões para infraestrutura de transporte urbano. Até 2020, o Ministério das Cidades pretende dispor mais R$ 60 bilhões. Projetos que visam sistemas intermodais de transportes.
Além dos custos envolvidos na ampliação do sistema viário, uma construção sempre implica em desapropriações habitacionais, o que cria empecilhos, principalmente jurídicos, para a liberação das áreas. Isto ocorreu, por exemplo, com as obras de mobilidade para a Copa. A população ao longo das áreas atingidas se posicionou contrária à desapropriação, levando ao atraso que perdura até hoje. “Construir uma nova via não reduz engarrafamentos, pois facilita o acesso de mais carros e, em pouco tempo, a região pode apresentar gargalos e sobrecarga de veículos”, ressaltou.
Ainda de acordo Alencar, a reestruturação do transporte também deve ser discutida a partir dos aspectos legais da lei 12.587, sancionada em 15 de abril de 2012, e que tem como objetivos melhorar a acessibilidade e a mobilidade das pessoas, e integrar os diferentes modos de transporte.
Para José Alencar, engenheiro civil por formação, a legislação instituiu novas diretrizes para a Política Nacional de Mobilidade Urbana. O Governo Federal quer priorizar os meios de transporte não motorizados e serviço público coletivo. A mobilidade deve gerar qualidade de vida. Ele explica que, enquanto existir a degradação contínua do transporte coletivo, o que inclui questões sobre o conforto e até a violência, as pessoas vão buscar o transporte individual. “O indivíduo vai pensar numa forma de reduzir o tempo de viagem e o desconforto de utilizar ônibus lotados, sujos e sem qualidade”, afirma.
José Alencar, aliás, um dos autores da nova lei, afirma ainda que a ideia é restringir a circulação e controlar o acesso de veículos motorizados, seja permanente ou temporário, em locais e horários predeterminados. “A lei ainda facilita a criação de medidas para cobrar a circulação de veículos em áreas urbanas”, conta. A restrição da circulação em horários predeterminados é algo já regulamentado no país. O maior exemplo é o rodízio de carro da cidade de São Paulo.
“USAR CARRO É UMA ATIVIDADE INDIVIDUALISTA”
Para o ex-secretário nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, José Carlos Xavier, a “imobilidade” urbana é um problema comum em todos os grandes centros brasileiros. “O caos no trânsito é uma verdadeira epidemia. São mais de 75 milhões de veículos trafegando nas ruas de todo o Brasil. Algo precisa ser feito urgentemente”, declara.
Ele diz que todo o investimento na ampliação da malha viária está fadado ao insucesso. “É simples. Em poucos anos, todas estas novas estradas estarão repletas de automóveis, causando engarrafamentos e prejudicando a qualidade de vida”.
Na opinião de Xavier, um dos maiores especialistas em trânsito do país, que também atuou no reordenamento do tráfego em Goiânia (GO), a solução para a mobilidade passa, de forma obrigatória, pela ampliação dos serviços de transporte público. “É algo que todas as grandes metrópoles do mundo fazem. Amsterdã (Holanda), por sinal, é o maior exemplo disso. Existe todo um sistema que congrega ônibus, metrô, trem, transporte fluvial e até uma extensa linha de ciclovias. Todo este processo foi iniciado há 50 anos”, detalha.
Vale lembrar que a capital goiana passou por um intenso processo de mudança nos últimos 10 anos. Hoje, o sistema de transporte público da cidade apresenta, ao lado de Curitiba (PR), um dos exemplos de reordenamento do trânsito no Brasil. As ações levaram a construção de 13 quilômetros de Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), outros 22 km de sistema de ônibus de alta capacidade (BRT) e mais 122 km de faixas exclusivas para ônibus coletivos. Isso tudo com uma tarifa integrada para diversos municípios da região metropolitana de Goiânia.
Xavier alerta ainda que as cidades devem trabalhar para oferecer espaços para o deslocamento dos pedestres. “Se pensa apenas em carros, ruas, viadutos, mas sempre se esquece do pedestre. Calçadas mais amplas, sinalizadas e acessíveis também fazem parte das ações para a melhoria da mobilidade”, diz.
Para ele, o brasileiro foi “doutrinado” ao automóvel. Mudar o paradigma do uso do transporte público em detrimento do veículo particular deve demandar um bom tempo. “Usar carro é uma atividade individualista. Mesmo que as estradas e o transporte público estejam melhores, o motorista sempre vai pensar: ‘agora está tudo bem. O trânsito está organizado. Não preciso deixar meu carro em casa’. O poder público precisa, com isso, aprimorar as ações de educação do trânsito e desestímulo à utilização de veículos”, avalia.
O especialista diz que os gestores já dispõem de uma série de medidas para inibir a circulação de automóveis. Ele cita o exemplo do que foi feito em Londres (Inglaterra). Em certas áreas comerciais da capital britânica, carros particulares estão proibidos de circular. É a chamada restrição geográfica. “Além disso, podem ser criados pedágios, taxas para a circulação em determinados espaços e até o uso de estacionamentos pagos. A intenção é fazer com que a pessoa deixe o carro em casa”, aponta.
José Carlos Xavier também é contra os incentivos fiscais ofertados à indústria automobilística. “Isso vai contra todo o processo de mobilidade. Enquanto parte do poder público busca soluções para readequar o tráfego, o Governo Federal cria medidas para facilitar a compra de veículos”, reclama. Ele faz referência à isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a compra de veículos, o que ocorreu em maio do ano passado; e em alguns estados, incluindo o Rio Grande do Norte, a redução do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Fonte: Novo Jornal
http://www.novojornal.jor.br/_conteudo/2013/04/cidades/9871-obras-de-mobilidade-para-copa-serao-solucao-perecivel-segundo-especialistas.php
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