O que acontece depois que morre um ciclista?

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Natal/RN, 04 de Maio de 2015


E depois que tudo passa: o espanto, a comoção, o medo, a lembrança. E depois que a rotina volta em sua segunda feira. A chuva bate na janela, o tempo ameno, feriadão bem aproveitado. E o que fica? Para os próximos dias em que a vida segue em sua rima: trabalho, trânsito, congestionamento e buzina. Depois que você lamenta e chora, depois que você se revolta nas redes sociais. O que acontece depois que morre um ciclista?


Acordamos em meio a notícia da morte de um ciclista. A gente tenta conseguir o máximo de informação e então a gente se mobiliza. O dia não pode seguir seu curso normal como se nada tivesse acontecido. Estou aflita no meu trabalho. A angústia envolve todas as lembranças de minha mãe me pedindo: “minha filha, por favor, não vá de bicicleta para o trabalho!”.  Tento confortá-la dizendo: “Não se preocupe tenho muito cuidado!”. Mas depende de mim, apenas de mim que nenhum incidente/acidente ocorra? São 10 meses desde que comecei a utilizar a bicicleta como transporte e o tempo te ensina muita coisa nessas pistas. E então, você ganha confiança e realmente acha que está fazendo tudo certo, que está tendo toda a atenção necessária para que sua vida não corra risco algum – inocência de principiante – na pista há uma selvageria louca que provavelmente nem Freud explica!
Há semanas em que você pensa muito se deve continuar a usar a bicicleta. E quando me veio a notícia da morte de Carlos, um ciclista atropelado na rota do sol por um motorista alcoolizado, fiquei realmente sensível, e hoje, nessa segunda, estou mais sensível ainda, porque é quando vem o silêncio, o silêncio depois do luto, depois que todos vão embora, é esse silêncio que me angustia: “Como os dias seguem depois do luto!”. Acordo ainda com a memória quente. Estava me preparando para me aventurar e aproveitar o feriado, mas esqueci de tudo para que nenhum silêncio se fizesse naquele dia, e, estou aqui de novo para que o silêncio não nos assombre mais um dia. O silêncio não pode nos amedrontar e nos convencer de que o melhor, o mais prudente é deixar de pedalar. Quebrar o silêncio diante da barbárie que naturalizamos é um ato de amor pela vida!
Saímos em marcha na quinta feira, dia 30 de abril de 2015 em protesto pela vida, não “contra a insegurança para passeios” como dizia a Tribuna do Norte. Nossa luta diária é pelo direito puro e simples de ir e vir, um direito básico de todos e todas. Mas, temos vivido em tempos de tão profunda limitação: nosso tempo, o espaço que temos, o que podemos ter, tudo é tão limitado que não conseguimos mais enxergar as possibilidades, nossas possibilidades de construirmos nossas vidas, de questionarmos o que nos é imposto – o certo, o justo... – e por aí vai uma gama de mecanismos que nos domesticam, colonizam nossas mentes e nossos corpos.
Precisamos de faixas para garantir nossa segurança? Em um mundo no mínimo sensato responderíamos: NÃO. Afinal, já construímos pistas para nos locomovermos. Geralmente nas capitais de nosso país, as pistas são divididas em duas e três faixas. Três faixas não seriam suficientes para todos nos locomovermos? SIM. Mas qual é a lógica imperante? Pista para carros! ??? A via não pode ser compartilhada por qualquer veículo que apresente uma velocidade menor que 80km. O imperativo é correr por mais que as estatísticas estejam aí mostrando que essa lógica que estamos utilizando está nos matando! Mais e mais carros entupindo as vias e uma cultura de desrespeito e violência se propagando como um vírus. Não há via para ser compartilhada. Não tenho porque sinalizar ou dar passagem a outro. Não há qualquer valor de gratificação vinda da cultura/cultuação dos carros.
O que estamos todos os dias tentando dizer não é o que alguns em seu uso do senso comum tentam nos jogar na cara, de que estamos querendo acabar com os carros. Não estamos impondo um novo conceito, ou lei, ou qualquer outra coisa. Estamos tentando discutir sobre os nossos espaços de convivência, sobre nosso bem estar no lugar que vivemos. Estamos falando de nossas ruas, nossas praças, nossas calçadas, tudo que tem sido privatizado ignorando o direito natural de todos e todas. A liberdade que tanto prega a democracia e pelo qual ela foi instituída (não efetivamente). Receio que se não formos capazes de construir um diálogo saudável sobre essas necessidades tão básicas, então continuaremos chorando nossos mortos calados, e continuaremos invisíveis até que nos tornemos mais um nessas estatísticas cruas.
O que deveria ser feito agora com a morte de Carlos? O que estaria em nossas mãos para que reivindicássemos nosso direito de também estar na pista? Os órgãos públicos não dirão nada, ou dirão: a culpa é do motorista alcoolizado! Mas, enquanto a nossa culpa de omissão? Omissão por não questionarmos. Omissão por não reivindicarmos. Omissão para mim é a palavra mais cruel nos tempos modernos. Omissão para mim significa apatia e covardia. É covarde que nos calemos. Que continuemos em nossos “passeios” em horários que não incomode o trânsito achando que assim estamos bem resguardados quando ignoramos todos os companheiros e companheiras que tem utilizado a bem mais tempo, suas bicicletas como meio de transporte ao trabalho. Fico imaginando todos que atravessam a ponte de igapó todos os dias e quantos ali já entraram para as estatísticas.

Não estamos falando de segurança unicamente para passeios, estamos falando do nosso direito à vida!


À Carlos Augusto de Souza! Presente!!!

Por Eva Timboo
Uma Ciclista na Cidade Grande

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Quando acontece?

Quando: toda última sexta-feira do mês.
Onde: concentração no IFRN, Salgado Filho.
Horário: a partir das 19 horas e saída as 19:30hs.

O roteiro (suscetível a alterações a qualquer tempo) é definido no ato da concentração.

Qualquer um pode participar, não importa o sexo ou a bicicleta, não fazemos competição, não fazemos só um passeio, fazemos ciclopasseata, cicloativismo, paramos em sinais, abrimos faixas, cartazes, panfletamos, conversamos com motoristas e nos divertimos muito assim, promovendo a bicicleta na cidade.

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"Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas motivadas e comprometidas possa mudar o mundo" - Margaret Mead

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"Precisamos em Natal na verdade, é de Mobilidade Humana" - Milena Trigueiro

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É um blog desenvolvido pela Bicicletada Natal/RN para catalogar os acidentes envolvendo ciclistas no estado. Tem por objetivo argumentar a necessidade da estrutura e da segurança para os ciclistas, de forma que entada-se que o uso da bicicleta está além da diversão e lazer e que para tanto, necessita de políticas que enxerguem a necessidade de trabalhar esse modal em todos os seus aspectos. Sabe de alguma ocorrência de acidente com ciclista? Informe-nos aqui.